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BOM DIA A TOD@S, TODES, TODXS

 Bom Dia A Tod@S, Todes, Todxs: o uso de pronomes neutros (não-binários) e a desconstrução da linguagem sexista, machista, misógina, transfóbica

por Damião Rocha – PPGE/UFT GT 12 - Currículo (Anped/Norte)



damiao@uft.edu.br



Comumente quando nos dirigimos a um conjunto de pessoas para saúda-las em um evento, como por exemplo os professores, que constituem uma categoria, um coletivo profissional com maior número de mulheres, usamos o gênero masculino no plural: Bom dia professores!

Pesquisadores da área da linguística/linguagem, afirmam que “usar o gênero masculino para se referir a um grupo de pessoas, homens e mulheres, não é uma forma de preconceito, pois a origem desse uso estaria no latim que lançou as bases da língua portuguesa e de outras línguas latinas, como o francês e o espanhol”, como que essa condição bastasse para a não mudança na “linguagem morta” e (re)construirmos uma “linguagem viva”. Lembremos o caso da eleição presidencial de 2010 na qual foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil Dilma Roussef: a Ouvidoria da EBC recebeu diversas reclamações devido o uso da palavra “presidenta” no feminino.

Algumas palavras são naturalmente “epicenos” ou “sobrecomuns”: "animal", "pessoa", "indivíduo" e "ser", sem precisarem de um neologismo para serem neutras. Aprendemos nas aulas de Língua Portuguesa que “epiceno” é um “adjetivo substantivo masculino” designativo de animais com apenas um gênero (a onça, o jacaré), e quando queremos especificar o sexo do animal, juntam-se ao substantivo as palavras “macho” ou “fêmea”: gavião-macho, gavião-fêmea; o macho / a fêmea do jacaré. Por outro lado, sabemos que o substantivo “sobrecomum” não admite contrastes de gênero, quer seja morfologicamente, quer seja sintaticamente, ainda que façam referência a pessoas de diferentes sexos. Todavia nessa discussão o “marcador social” é o sexo dos animais.

A língua portuguesa, se estruturou inicialmente a partir de duas categorias de gênero: masculino e feminino, assim como pesquisas demonstram que os falantes de português, espanhol e francês transmitem pensamentos sexistas, machistas, misóginos, transfóbicos em suas falas. Nesse sentido o movimento “Écriture Inclusive” ao afirmar que a língua francesa é machista passou a adotar o “gênero neutro” como ação antipreconceituosa. O artigo masculino não representa as diversas, várias e (des)centradas identidades fluídas das pessoas, especialmente aquelas pessoas que são/estão femininas, neutras de gênero ou em outras construções sócio identitárias.

Para além da discussão entre o “gênero real” e o “gênero gramatical” dos seres (Oliveira, 2015), o “gênero neutro” é um gênero gramatical que etimologicamente significa “nem um nem outro” ou “nenhum dos sexos” no que se refere ao sexo binário masculino e feminino. Comumente nas línguas indo-europeias, o “neutro” tem sido usado em relação a “objetos inanimados”, cujo gênero lógico (ou "natural") não pode ser determinado nem como masculino nem como feminino.

A substituição das vogais “O” e “A” nas palavras que definem sexualidade, pelo genérico “X”, “@” ou “E” tem reverberado e já causado polêmicas no Brasil. A discussão sobre “gênero neutro” envolvendo uma escola, já levou o caso à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), e deputados do PSL a elaborarem o projeto de lei PL 3325/2020 com “medidas protetivas do aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino”.

"Tod@s”, “Todes", “Todxs”, é uma tentativa de uma neolinguagem de gêneros gramaticais que seja inclusiva para/com as mulheres, as pessoas não-binárias, as “pessoas T entre gêneros” (Rocha, Coelho, Fernandes, 2020). O uso de “pronomes e adjetivos neutros” vem se constituindo numa linguagem não sexista, não machista, não misógina, não transfóbica.

Ao nos referirmos às pessoas não-binárias, àquelas que não se identificam nem com o gênero masculino, nem com o feminino, como as “pessoas T entre gêneros”, as transexuais, as travestis, as drag queens, as intersexo, as pessoas trans em transição com adjetivos neutros, minimamente respeitamos sua condição humana, temporária ou não e vislumbraremos a igualdade de gênero.

Nessa perspectiva, diferentemente da dimensão biologicista atribuída aos animais, as “performances de gênero” se pautam pela construção social de gênero: “não se nasce mulher, torna-se mulher” como diria Simone de Beauvoir (1949), dado que o gênero gramatical não tem relação direta com a expressão social de gênero, pois “o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente” (Hall, 2002). 

Essas questões nos colocam a reflexão sobre gênero e identidade, a feminilidade, a masculinidade, a cisgeneridade, a transgeneridade, a cisgeneridade: “As mulheres não aparecem onde deveriam” Rathzel citada por Haraway. O marxismo humanista foi poluído pela sua teoria ontológica estruturante de dominação da natureza na autoconstrução do homem, como nos diz Donna Haraway (1995), que se tornou impotente “para historicizar qualquer coisa que as mulheres fizessem que não fosse por salário” (p. 10). O feminino tem sido tornado categoria subalternizada que impacta as construções sociais de outras identidades como as dos gays “afeminados”.

A partir da teorização feminista pensamos num posicionamento científico crítico, engajado e transparente, em que a/o pesquisadora/o, assumam sua “posicionalidade” de sujeito, dado que, o conhecimento é sempre situado, contextualizado e corporizado.

Pesquisa:

Haraway, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu (5), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 1995.

Haraway, Donna. Gênero para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu (22), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 2004.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7 eds., Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

ROCHA, J. Damião T. COELHO, Marcos Irondes, FERNANDES, Alexandre Araripe.   Experiências de/com uma "pessoa T" indígena entre gêneros do/no cotidiano tocantinense. In: Revista Teias v. 21 • n. 61 • abril/junho 2020 • Sessão Temática Desafios da Educação na/da/para a Amazônia. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/49500 

Os géneros masculino, feminino e neutro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa» https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/os-generos-masculino-feminino-e-neutro/20733. Consulta em 11/11/2020.

OLIVEIRA, Thiago Soares de. Queda do gênero neutro do latim: questiúnculas sobre a divergência entre o gênero real e o gênero gramatical. In: Revista Philologus, Ano 21, N° 63. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2015. http://www.filologia.org.br/rph/ANO21/63/002.pdf

Fonte: https://anped.org.br/news/bom-dia-tods-todes-todxs-o-uso-de-pronomes-neutros-nao-binarios-e-desconstrucao-da-linguagem


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