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VIDAS NEGRAS IMPORTAM

 

Relato de injúria racial

Andreia Alves, Bióloga, Mestre em Ecologia e Biomonitoramento, 22 de Outubro de 2020, Feira de Santana, Bahia, Brasil

Em junho o feed do instagram estava lotado de telas pretas em apoio ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) após mais um ato de racismo. Aproveitando que Novembro, o mês da consciência negra no Brasil está batendo na porta, venho compartilhar uma reflexão e fazer um relato da injúria racial que eu sofri em uma academia em Feira de Santana. Era sexta-feira (16/10 mais precisamente) e eu estava indo treinar como de costume, mas dessa vez ofereci carona para meu vizinho um adolescente branco. Ao chegar na academia, havia um senhor na porta que entrou na academia enquanto eu estacionava.

Entramos e fiquei esperando o garoto registrar o pagamento para iniciar o meu treino. Nesse momento, o senhor branco voltou, cumprimentou o garoto e surpreendentemente perguntou “quem é essa moça, sua secretaria?” Na mesma hora o silêncio constrangedor tomou conta do ambiente, pois eu não tive reação porque nem estava acreditando que aquele senhor estava realmente fazendo aquela pergunta e o menino ficou totalmente sem graça e so depois do acontecido veio se desculpar por também não ter tido uma reação. Quando falei com a recepcionista sobre o ocorrido, ela me informou que aquele senhor era o proprietário da academia. Nesse momento, decidi que iria cancelar a minha matrícula.

Na segunda-feira (19/10) fui logo pela manhã na academia solicitar o cancelamento. Quem me atendeu foi a filha desse senhor que é uma das responsáveis pela gestão da academia. E pasmem, ela tentou me convencer que escutei errado. Claro neh amores?! Além de ter passado por essa situação desagradável, agora decidiram que eu tenho algum grau de deficiência auditiva. Ela me disse que tem certeza que ele não falou secretaria e sim segurança porque esse senhor tem mania de fazer essas brincadeiras quando as pessoas chegam acompanhadas na academia e veio com o discurso “meu pai não é racista, ele namora uma mulher negra, temos amigos e funcionários negros”. Quem é negro já escutou esse discurso de racismo velado quantas vezes? Inúmeras! Não houve ao menos um pedido de desculpas, mas sim a pergunta se eu ia tomar uma atitude tão radical seguido do conselho de que eu não deveria levar essas coisas tão a sério.

Não vejo problema nenhum com a profissão mencionada, mas levando em conta que por quase 400 anos a escravidão foi a base da economia do Brasil não me admiro que a branquitude sempre nos coloque nessa posição. Silva (2010 p.135) define preconceito de uma forma que se encaixa perfeitamente nessa situação. “Preconceituar é anteceder algum juízo de valoração a respeito de algo que estabelecido sobre determinado assunto, coisa ou pessoa antes mesmo de conhecê-los ou, conhecendo-os superficialmente.” Dessa forma, o preconceito é algo subjetivo, o qual alguém carrega consigo, uma vez que se origina da consciência do próprio sujeito, que o leva a tomar atitudes influenciadas por entendimentos precipitados sobre algo. Por exemplo: dizer que uma negra que chega com um branco em uma academia de classe média é secretaria.




De tal modo, ocorrendo algum ato preconceituoso, cada pessoa terá opinião sobre um determinado assunto, pois o caso será visto de diversas maneiras cabendo a cada um interpretar de uma forma. Agora dizer que escutei errado é no mínimo absurdo. Essa situação me fez lembrar quando a minha sobrinha negra com 5 anos de idade na época chegou em casa chorando achando que tinha algo de errado com o cabelo e a cor dela; todas as vezes que entro em uma loja e sou seguida (quem nunca?!); quando fui chamada de macaca  (igualzinho ao goleiro Aranha); entre outras. Muitas dessas situações, como a que passei na academia, são considerados menos graves e na maioria das vezes surgem como “brincadeiras” e acabamos deixando pra lá, mas o nome dessas brincadeiras é injúria racial. Essas brincadeiras podem desencadear situações consideradas mais graves de racismo explícito como assassinar um homem negro por confundir um guarda-chuva com um fuzil (Rodrigo Serrano) e matar asfixiado um homem negro acusado de passar uma nota falsa (George Floyd).

Quando você, coleguinha branco, presencia qualquer situação de injúria racial ou racismo e se cala pra não se envolver, você é tão racista quanto o agressor. Sugiro o livro “Pequeno Manual Antirracista” da Djamila Ribeiro.

O racismo não pode ser tolerado, em hipótese alguma, pois a ciência já demonstrou, com a definição e o mapeamento do genoma humano, que não existem distinções entre os seres humanos. Brancos dizem "tudo agora é ofensivo...era brincadeira", mas SEMPRE foi ofensivo e quem sofria se calou por muito tempo. Não iremos mais nos calar!


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