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TODO DIA É DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

 MANIFESTAÇÃO

A “CONSCIÊNCIA NEGRA” COMO ANTÍDOTO CONTRA OS RETROCESSOS

24 DE NOVEMBRO DE 2021 ÁS 23:48


 

João Edson Rufino é doutor em Literatura e Interculturalidade pelas Universidade Estadual da Paraíba (Brasil) e Sorbonne Université (França). Atua como professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, ministrando aulas nas áreas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Leitura e Produção Textual, Introdução aos Estudos Literários e Gestão Educacional.


Lamentavelmente, o Brasil é conhecido hoje como um dos países mais desiguais do mundo! E isso ocorre, sobretudo, pela inexistência de igualdade de oportunidades que o Estado deve conceder a todos os seus grupos étnicos. O legado do colonialismo português, pautado nas relações escravistas, fez emergir, ao longo da linha do tempo e, mais especificamente, na esteira da dita redemocratização brasileira, lutas pelas liberdades que têm, nas memórias africana e afro-brasileira, um dos seus mais representativos instrumentos. No entanto há ainda muitos impasses para que essas liberdades sejam de todos. Ativar a consciência negra no imaginário nacional pode ser um dos caminhos para essa conquista.

É recorrente o já quase provérbio nacional de que somos um país sem memória. De fato, incentivada, desde sempre, por meio dos projetos de poder das elites brasileiras (chamadas por Jessé de Sousa de “a elite do atraso”), a desqualificar e esquecer o que nos é próprio e exaltar o que é do outro – o estrangeiro –, a cultura nacional se modelou por meio da negação de si mesma. Tal gesto atingiu todos os âmbitos da estrutura sociocultural, tendo a escola como o seu principal aliado.

Dia do Folclore/ Foto:(Gutemberg Suzarte)

A escola foi, oficialmente, a propagadora da versão histórica dos vencedores, visão que, não poucas vezes, foi alicerçada naquilo que hoje se chama fake news. É preciso lembrar, para que não se esqueça, que a Constituição brasileira de 1824, no seu artigo 94, inciso II, impediu, formalmente, todo o segmento populacional negro de usufruir direitos básicos como o voto, formalizando, assim, a exclusão desse grupo étnico e limitando o acesso à educação formal somente aos cidadãos brasileiros sem que o negro participasse do sistema oficial de ensino.

Sabe-se que, durante muito tempo, a África esteve ausente das discussões importantes que foram feitas no Brasil e, quando abordada, sempre surgiu de forma inferiorizada. Não se pode esquecer que escrever a história do Brasil foi um ímpeto das nossas elites para dar sentido ao País, desde que os grupos indesejados por elas fossem apagados da memória nacional.

Assim, com a vontade deliberada do apagamento de fatos e invenções de versões equivocadas e distorcidas, por parte das elites do poder, a chamada “Lei Áurea” deve ser entendida como uma das maiores mentiras disseminadas secularmente na mentalidade nacional e que é hoje fortemente rechaçada pelos movimentos negros de todo o País. Nesse sentido, instituído de cima para baixo, com a tentativa de forjar e exaltar uma abolição que não conferiu cidadania aos ex-escravizados, o 13 de maio já não interessa nem mesmo representa algum tipo de comemoração para o povo negro brasileiro. A data, de forma inconteste, deixa registrado nos anais da história que o Brasil conserva a marca indelével de ter sido o último país das Américas a abolir o nefasto sistema escravocrata de suas terras.


Em que pese o incontornável fato histórico de o Brasil ter sido formado pelas culturas indígena, europeia e africana, nunca nos causou perplexidade termos apenas a língua portuguesa como único idioma oficial de um País multiétnico em toda sua constituição e que tem, nas culturas autóctones e africanas, os principais fundamentos do seu constructo sociocultural. Foram culturas postas à margem, mas que, mesmo sendo institucionalmente negadas, sempre estiveram presentes – na língua, na pele, na cultura e no imaginário do povo brasileiro.

Ao rejeitar a língua, negam-se a cultura, a história e toda a memória de um povo. É a tentativa, enfim, de repúdio oficial desses contingentes sem que seja preciso declarar isso, uma vez que a tentativa de apagamento já encerra uma rejeição. Nesse contexto, não é difícil constatar o desserviço que a escola de base excludente causou e causa ao povo brasileiro ao negar-lhe parte significativa da sua história e memória. O racismo que se instalou no Brasil é estrutural e estruturante, pois faz parte das forças que constituíram a ideia do projeto de Estado-nação, tendo em vista que o Estado nacional, tal qual foi configurado, fundamentou-se na exclusão de povos e memórias. No entanto, é possível (re)inscrever a nação, já rasurada, pelas margens e rastros. É, portanto, essa (re)inscrição da memória afrodescendente bem como os seus devidos direitos na nação brasileira que o Dia da Consciência Negra intenta reativar.

Símbolo da morte de Zumbi dos Palmares, o dia “20 de Novembro” emerge como um marco de resiliência na contemporaneidade nacional e como um momento de denúncia do racismo estrutural brasileiro; aparece também como modo de refletir acerca das discriminações sistemáticas advindas de um sistema racista contra os pretos e pretas e também serve como maneira de difundir e anunciar a produção intelectual e artística de um sem-número de escritores, autores, compositores e poetas negros e negras que, embora apresentem um saber e conhecimento histórico e potente, têm sido invisibilizados por um sistema excludente e opressor.

Nesse sentido, o “20 de Novembro”, celebrado em todo o território nacional, revela a farsa de um Estado Democrático de Direito ao apontar que o racismo não se coaduna com os princípios constitucionais pautados em nossa “Carta Magna”, ao tempo que convoca todos e todas a buscarem, incessantemente, a premente construção de um Brasil mais justo, igualitário, antirracista e plural.

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